Outrospectre é um aparelho multissensorial desenvolvido pelo designer experimental
holandês Frank Kolkman, que simula através da tecnologia da realidade virtual (VR) uma experiência extracorpórea. O objetivo desse projeto é prover tranquilidade aos pacientes terminais em relação à ideia de sua própria morte. Kolkman visa implantar esse dispositivo em hospitais para que tal assunto mórbido não seja negligenciado e o paciente receba o apoio emocional necessário para lidar com um tópico tão sensível como o fim da própria vida, e o que esse pode enfrentar após seu último suspiro.
O que motivou o designer a projetar uma experiência virtual de sair do próprio corpo foi a pesquisa parapsicológica que afirma que a maioria das pessoas tendem a perder o medo de morrer caso tenham passado por alguma experiência de quase morte, sendo que o evento extracorpóreo é o relato mais comum. Além disso, o criador chegou a conclusão, após uma pesquisa, de que houve uma mudança drástica de onde as pessoas costumam morrer, tendo sido, a aproximadamente cinquenta anos atrás, uma ocorrência de locais domésticos e atualmente uma ocorrência hospitalar, para 90% da população ocidental, segundo Kolkman. Assim firmando a relevância de seu projeto.
O designer acredita que muito do esforço médico é focado em prolongar a vida do
paciente em detrimento de prover um fim pacífico à vida do enfermo, com esse tendo aceitado a própria morte e estando tranquilo a respeito do tão temido momento. Kolkman visa abrir caminho para discussões sobre a ideia de aceitar a morte e conversar abertamente sobre a mesma, principalmente em hospitais, pois segundo ele “Se começarmos a tratar nossas ansiedades em torno da morte, isso pode significar que o processo de morrer pode se tornar mais confortável.”
O projeto me chamou atenção principalmente por tentar mudar a perspectiva pela qual as pessoas geralmente encaram a própria morte, que é vista comumente como uma perda, um sofrimento, um motivo para se desesperar, dentre outras formas, levando em consideração que a maneira a qual uma pessoa lida com a morte varia dependendo de sua crença e da situação, e da época da vida que essa se encontra. O fato de que alguém confeccionou um aparelho que visa confortar pacientes diante da própria morte, principalmente no ambiente hospitalar, me intriga muito, pois é um tema muito sensível que causa muito sofrimento e, até onde eu sei, não é bem resolvido atualmente.
O Outrospectre consiste de uma cabeça presa a uma espécie de trilho vertical, que permite que essa se desloque para frente e para trás, diretamente na direção na qual o usuário se encontra em pé, parado e utilizando óculos de realidade virtual acompanhado de um headfone. A ilusão de realidade é causada pela presença de duas câmeras estereoscópicas, ou seja, 3D, na cabeça falsa, que transmitem em tempo real as imagens para um computador, que renderiza as imagens capturadas por cada “olho”, e as manda para o headset. Esse envia dados posicionais, que são convertidos pelo computador em posições cerebrais, para a cabeça falsa se mover de acordo com o movimento da do usuário. Todos esses eventos ocorrem simultaneamente enquanto a falsa cabeça se distancia da pessoa, aumentando assim a ilusão de realidade da experiência. Além disso, há diversos arduinos que comandam funções secundárias, como controlar os LEDs e os movimentos da máquina.
Ademais, para intensificar a imersão, enquanto o usuário observa o ambiente em sua volta ao mesmo tempo que a visão “sai do próprio corpo”, há dois microfones localizados na cabeça falsa enviando os sons para o headset do paciente, assim aumentando a sensação de se distanciar de si mesmo. Esse fenômeno acontece pois, segundo Kolkman, "Nossos cérebros utilizam diferenças sutis de tempo e timbre para identificar a origem de um som detectado em direção e distância, e onde você está em relação a ele" e "O mesmo vale para o feed de vídeo - removendo as orelhas do corpo e colocando-as em um local diferente, seu senso de localização e presença pode ser hackeado."
Outros elementos incorporados no aparelho são um pequeno martelo automático que bate levemente na caixa torácica do usuário, para imitar a sensação de batimentos cardíacos, tornando a experiência mais realista tatilmente. Além da inclusão de um espelho no final dos trilhos para causar surpresa no paciente ao se enxergar de longe no mesmo.
A respeito da funcionalidade do aparelho, não possuo críticas negativas. A qualidade da imersão pode ser notada ao ler o relato de Camille Charluet, que em 2017 utilizou o Outrospectre como teste e registrou no blog da The International Society for Presence Research (ISPR). Segundo tal relato “(...)Eu tinha um forte senso de propriedade do eu virtual e conforme a cabeça robótica andava para trás nos trilhos, minha percepção de 'mim' também adquiriu um senso de propriedade, enquanto deixava meu corpo para trás”. Juntamente com outro relato da mesma autora, “Eu podia ver a mim mesmo e ao meu ambiente, de costas, com perfeita clareza enquanto lentamente me afastava do meu corpo. Com microfones na cabeça do robô conectados aos fones de ouvido que eu estava usando, e as câmeras nos olhos do robô conectadas meu headset VR, minha visão e minha visão pareciam vir de trás do meu corpo real, proporcionando uma sensação genuína de afastamento de mim mesmo.” Ambos, em minha opinião, comprovam que a experiência provida pelo aparelho é bem executada.
Porém, a respeito do cumprimento do objetivo, não acho possível perder o medo da morte apenas por uma experiência extracorpórea simulada. Pois a segurança da experiência torna-a, em minha opinião, menos impactante. No entanto, a falta de risco real de morte ao utilizar o aparelho, para sentir a sensação de sair do próprio corpo, torna o uso do aparelho contemplativo. De forma que pode estimular reflexões a respeito da própria morte, mas não vencer o medo, por completo pelo menos.
Ademais, o projeto deveria considerar as diferentes formas de enxergar a morte, e, principalmente, o que acontece após a mesma. Pois dois indivíduos que possuem medo de morrer podem apresentar motivos diferentes para tal medo, de forma que um pode ter medo de reencarnar e outro ter medo de passar a eternidade em um local desagradável, como o inferno cristão. Outro tópico a ser considerado é a idade do paciente, pois a mentalidade a respeito da morte de um paciente jovem pode diferir da de um idoso, assim como diversas situações e etapas de vida que uma pessoa pode se encontrar.
Levando isso em consideração, a realidade virtual poderia incluir imagens ou sons que correspondessem, de forma tranquilizante, porém ainda relacionada, com o medo de cada paciente, assim levando-o a encarar em um local seguro seus medos, de uma forma tranquila e gradativa, conforme o uso repetido do aparelho. O Outrospectre poderia também registrar sinais vitais, como batimento cardíaco, assim como as imagens e sons em uma linha do tempo, na ordem qual o paciente as experienciou, para serem encaminhadas para um profissional da saúde, como um psicólogo responsável por tal pessoa. Desta forma, os dados registrados pela máquina, com consentimento do paciente, poderiam auxiliar em um aconselhamento mais específico para cada indivíduo, assim podendo tratar do medo da própria morte de uma forma mais personalizada, logo mais efetiva para cada paciente. Sendo o processo de escolher as imagens e sons experienciados na ilusão virtual extracorpórea, assim como o nível da intensidade do enfrentamento de medos e da frequência da utilização do Outrospectre acompanhado por tal profissional da saúde para garantir nenhuma piora em relação à tranquilização perante a própria morte, por parte do paciente.
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Disponível em: https://ispr.info/2017/11/27/outrespectre-simulates-out-of-body-experience-at-death-to-ease-fear-start-conversation/ Acesso em: 27 set. 2021
Disponível em: https://file.org.br/file_sp_2018/frank-kolkman-juuke-schoorl/?lang=pt Acesso em: 27 set. 2021
Disponível em: https://www.dezeen.com/2017/11/23/frank-kolkman-outrospectre-near-death-experience-virtual-reality-technology-robots-health/ Acesso em: 27 set. 2021
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